sexta-feira, 27 de março de 2020

LÍNGUA PORTUGUESA - 3º ANO B

Boa tarde, meninas e meninos!!!!

Leia o fragmento do livro Vidas Secas de Glaciliano Ramos e em seguida copiem e respondas as questões em seu caderno.

Lembre-se da maneira que realizamos esse tipo de atividade em sala, pois o texto conversa conosco e a resposta está lá, só esperando para ser encontrada.

Bom trabalho e até a próxima...


Fuga 
Graciliano Ramos

A vida na fazenda se tornara difícil. Sinha Vitória benzia-se tremendo, manejava o rosário, mexia os beiços rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a catinga amarela, onde as folhas secas se pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas arribações tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre. 
Mas quando a fazenda se despovoou, viu que tudo estava perdido, combinou a viagem com a mulher, matou o bezerro morrinhento que possuíam, salgou a carne, largou-se com a família, sem se despedir do amo. Não poderia nunca liquidar aquela dívida exagerada. Só lhe restava jogar-se ao mundo, como negro fugido. 
Saíram de madrugada. Sinha Vitória meteu o braço pelo buraco da parede e fechou a porta da frente com a taramela. Atravessaram o pátio, deixaram na escuridão o chiqueiro e o curral, vazios, de porteiras abertas, o carro de bois que apodrecia, os juazeiros. Ao passar junto às pedras onde os meninos atiravam cobras mortas, Sinha Vitória lembrou-se da cachorra Baleia, chorou, mas estava invisível e ninguém percebeu o choro. 
Desceram a ladeira, atravessaram o rio seco, tomaram rumo para o sul. Com a fresca da madrugada, andaram bastante, em silêncio, quatro sombras no caminho estreito coberto de seixos miúdos - os meninos à frente, conduzindo trouxas de roupa, Sinha Vitória sob o baú de folha pintada e a cabaça de água, Fabiano atrás, de facão de rasto e faca de ponta, a cuia pendurada por uma correia amarrada ao cinturão, o aió a tiracolo, a espingarda de pederneira num ombro, o saco da matalotagem no outro. Caminharam bem três léguas antes que a barra do nascente aparecesse. 
Fizeram alto. E Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na testa. Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança. Retardara-se e repreendera os meninos, que se adiantavam, aconselhara-os a poupar forças. A verdade é que não queria afastar-se da fazenda. A viagem parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia àquela terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. Era o que Fabiano dizia, pensando em coisas alheias: o chiqueiro e o curral, que precisavam conserto, o cavalo de fábrica, bom companheiro, a égua alazã, as catingueiras, as panelas de losna, as pedras da cozinha, a cama de varas. E os pés dele esmoreciam, as alpercatas calavam-se na escuridão. Seria necessário largar tudo? As alpercatas chiavam de novo no caminho coberto de seixos. 
Agora Fabiano examinava o céu, a barra que tingia o nascente, e não queria convencer-se da realidade. Procurou distinguir qualquer coisa diferente da vermelhidão que todos os dias espiava, com o coração aos baques. As mãos grossas, por baixo da aba curva do chapéu, protegiam-lhe os olhos contra a claridade e tremiam. Os braços penderam, desanimados. 
— Acabou-se. 
Antes de olhar o céu, já sabia que ele estava negro num lado, cor de sangue no outro, e ia tornar-se profundamente azul. Estremeceu como se descobrisse uma coisa muito ruim. 
Desde o aparecimento das arribações vivia desassossegado. Trabalhava demais para não perder o sono. Mas no meio do serviço um arrepio corria-lhe no espinhaço, à noite acordava agoniado e encolhia-se num canto da cama de varas, mordido pelas pulgas, conjecturando misérias. 
A luz aumentou e espalhou-se na campina. Só aí principiou a viagem. Fabiano atentou na mulher e nos filhos, apanhou a espingarda e o saco dos mantimentos, ordenou a marcha com uma interjeição áspera. 

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 71. 
ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 116-118.

QUESTÕES

1. Dois motivos obrigaram a família a retirar-se da fazenda. Quais?

2. Identifique o trecho em que se compara Fabiano a um escravo. O que se pode entender por escravidão nesse contexto?

3. Diante da proximidade da seca, tanto Fabiano quanto Sinha Vitória buscam uma solução mística. Qual?

4. Ao tentar controlar a marcha dos filhos, na verdade Fabiano está disfarçando um estado de espírito. Identifique-o e justifique sua escolha com um trecho do texto. 

5. Fabiano sabe decifrar os sinais da natureza. Em que trecho se narra essa habilidade? 

6. Que reação de Fabiano, no final do capítulo, demonstra que ele não se conforma com o fato de ter de abandonar a fazenda? 

7. O universo de qualquer trabalhador apresenta características próprias.
a) Identifique no texto elementos que caracterizam o universo de atuação de Fabiano. 

b) Como se pode caracterizar a identidade social do trabalhador Fabiano? Responda e justifique sua resposta com um trecho do texto. 

c) Dessa perspectiva, Fabiano se define mais como vaqueiro ou como retirante? Por quê? 


8. Basicamente, ser cidadão é gozar do domínio sobre o próprio corpo, ter acesso a um salário condizente para promover a própria vida, usufruir do direito à educação, à saúde, à habitação e ao lazer. Desse ponto de vista, Fabiano pode ser considerado um cidadão? Justifique sua resposta.